quarta-feira, 30 de novembro de 2011

CRISE COLOCA BRASIL COMO PRINCIPAL COPRODUTOR DE FILMES DA AMÉRICA LATINA


O intercâmbio cultural do Brasil com países da América Latina sempre foi difícil e dependeu de casos isolados. A tendência vem mudando. Menos por conta de uma súbita identificação com temas regionais e mais pelos negócios que pode propiciar. O Brasil, que vive um bom momento econômico e de projeção internacional, tem sido cada vez mais procurado pelos países do continente para ser coprodutor em obras cinematográficas. Produtores da região veem uma tendência de que, aos poucos, o país passe a ocupar o lugar que tradicionalmente era da Espanha, a ex-metrópole e terra-mãe do idioma falado aqui, que enfrenta grave crise econômica.

Já a América Latina surge como parceira ideal por conta da demanda dos países vizinhos e da proximidade. Entre 1995 e 2000, o número de coproduções realizadas pelo Brasil variou de um a cinco. Já em 2008/2009 pulou para 15 e 10. Entre as 22 coproduções reconhecidas em 2011 (não quer dizer que estejam concluídas, mas sim aprovadas), oito são latino-americanas. "A crise internacional é uma das causas para que parceiros tradicionais do cinema hispano-americano, como a Espanha, comecem a dar lugar para o Brasil", disse à Folha o presidente da Ancine (Agência Nacional de Cinema), Manoel Rangel. O caso mais recente é o do filme "Violeta se Fue a los Cielos", novo trabalho do diretor chileno Andrés Wood ("Machuca"), que acaba de estrear com êxito em Buenos Aires e é uma coprodução entre Brasil, Chile e Argentina. O filme já foi visto por mais de 700 mil chilenos. No Brasil, deve estrear no primeiro semestre de 2012, seguido de uma minissérie para a TV. O parceiro brasileiro é a BossaNovaFilms. "É o meu primeiro trabalho 100% latino-americano", disse Andrés Wood à Folha. Seu novo longa conta a história de Violeta Parra (1917-1967), o maior ícone da música chilena. A artista, cujas composições viraram referência para a canção de protesto latino-americana nos anos 1970, realizou importante trabalho de compilação do folclore chileno. Parra é autora de clássicos regionais como "Volver a los 17" e "Gracias a la Vida". "Quis retratá-la porque nem mesmo os chilenos a conhecem direito. Eles têm uma visão estereotipada e politizada. Queria mostrar a artista e a mulher. O filme é universal, porque é uma história humana, bonita e trágica." A obra acompanha Parra desde a origem humilde, o interesse instintivo pela música, as paixões arrebatadoras pelos homens, as andanças pela Europa, a impetuosidade com a qual expunha sua arte e seu suicídio.

Mudança de imagem

Para Andrés Wood, o Brasil surge em bom momento. "A Espanha tende a nos deixar de lado agora, por conta da situação difícil por lá", diz. Rangel reconhece que o movimento das produtoras brasileiras de se aproximar do cinema hispano-americano tem a ver antes de tudo com a oportunidade de bons negócios, mas que isso está gerando um processo de "desfolclorização" da imagem que os brasileiros têm desses países. "O cinema argentino tem a ver com isso. O excelente desempenho que esses filmes têm no Brasil vai mudando nosso imaginário sobre o país vizinho", afirma. Para Denise Gomes, sócia e produtora-executiva da BossaNovaFilms, de "Violeta se Fue a los Cielos", colocar o Brasil na América Latina é um "desafio". "Se conseguimos admirar o cinema iraniano, não tem por que não olhar com mais atenção para nossos vizinhos", diz. Sua produtora também está trabalhando em outros projetos regionais, como Primavera", uma coprodução com o Uruguai, adaptação do livro "Primavera num Espelho Partido", de Mario Benedetti (1920-2009), com direção de Luiz Villaça. "Temos interesse em participar de projetos que funcionem também na TV. É um meio muito forte no Brasil e queremos utilizá-lo melhor. Com 'Violeta', vamos apostar muito nisso", diz Gomes. Em dezembro, encerram-se as filmagens de "Caleuche, o Chamado do Mar", thriller fantástico do chileno Jorge Olguín, com coprodução brasileira da Dezenove Som e Imagens e que terá a atriz brasileira Giselle Itié como uma das protagonistas


SYLVIA COLOMBO
DE BUENOS AIRES